Friday, October 13, 2023

sobre bolas de neves e problemas

cê já deve ter ouvido várias vezes alguém se referir a um problema como uma "bola de neve", né? eu sei que ouvi inúmeras vezes. "ah, fulaninho foi se endividando, quando foi ver, a dívida virou uma bola de neve", coisas desse tipo. geralmente a intenção é deixar claro que é um grande problema que saiu de controle. mas francamente, acho que isso só deixa a seriedade do problema menos óbvia, e por vários motivos.

primeiro: o brasil é um país quente. mesmo em alguns dos lugares mais frios, tipo na região sul, a neve é algo raro de se ver (ao contrário de lá onde judas perdeu o boga, no norte mais ao norte da europa, que praticamente nunca tem sol.) então como alguém aqui vai entender o tamanho de uma bola de neve acumulando se nunca viu isso pessoalmente?

segundo: ainda em se tratando do calor miserável que faz aqui, onde já se viu algo GELADO ser um problema? naquele dias de sol forte, que frita até pensamento, acho que todo mundo aceitaria lidar com uma bola de neve (que é algo tão refrescante) de qualquer tamanho. ou seja, continua não sendo óbvio que é um problema.

terceiro: pelos motivos previamente citados, UMA BOLA DE NEVE DERRETERIA NO BRASIL. então quando você fala que o problema vira/pode virar uma bola de neve, o que você tá dizendo é basicamente "deixa lá no canto que depois some." não dá certo.

como que você leva a sério um negócio desses? se o problema é "segurar uma bola de neve", aí acontece o seguinte:


se por outro lado for "uma bola de neve enorme vai cair em você e te soterrar", aí é o seguinte:


a maneira mais eficaz de descrever um problema? "pegou fogo em tudo."

Sunday, July 30, 2023

histórias do ato de criação: the witch

enquanto posso apontar várias faixas que considero fracas/inferiores em cada um dos outros álbuns que lancei (incluindo "free flight" e "god be damned!", que sucederam este), em "the witch" só uma música não me agrada mais em absoluto. certamente é meu álbum mais especial, e embora seja cedo pra dizer que é minha obra prima (foi lançado há pouco mais de um ano), não posso negar que considero esse o melhor álbum da "primeira fase" de minha carreira como bruxa do mangue, fase esta que vai de "the unfinished suite" até "free flight" (os dois singles eletrônicos que vieram antes estão à parte de tudo isso). é um álbum extremamente peculiar por vários motivos.

primeiro: "the witch" é um álbum que faz amplo uso do "estúdio" como instrumento, muito mais do que os anteriores/posteriores. o álbum inteiro consiste de uma mescla de performances novas e xenocronias, parcialmente por necessidade, pois eu não tinha 100% de certeza se meu notebook sobreviveria o suficiente pra que eu conseguisse fazer esse álbum com métodos tradicionais. no fim das contas, o notebook aguentou alguns meses antes de quebrar em definitivo, mas não tinha como saber na época. isso faz com que, ao menos pra mim, esse álbum seja um caso raro.

segundo: não há possibilidade de lançar outras versões desse álbum (remix, remaster...) por ter sido um processo altamente caótico. talvez isso faça um pouco mais de sentido conforme eu descrevo algumas das faixas, mas muitos experimentos foram feitos sem que eu salvasse as faixas isoladas e/ou sem que eu anotasse o que foi utilizado em cada experimento. é impossível reconstruir cada uma dessas faixas? não. seria um processo longo, cansativo e frustrante? sim. dessa maneira, eu vejo "the witch" quase como o equivalente a uma peça de teatro: podem ser feitas outras performances com o mesmo "roteiro", mas nunca serão 100% iguais.

terceiro: embora não seja absolutamente realista nesse sentido (se eu quisesse fazer algo 100% realista, teria feito um documentário), o processo de criar a história de morgana e dos demais personagens me levou a "estudar" e pesquisar sobre a história da humanidade, do ocultismo e da bruxaria, algo que certamente foi mais divertido pra mim do que pode parecer pra outras pessoas. como disse, não signfica que a história em si seja 100% realista, nem mesmo em se tratando do misticismo e dos poderes mágicos de morgana, mas é mais interessante fugir da realidade quando se sabe até onde a realidade vai, afinal de contas.

algo que talvez seja uma mera curiosidade pra outras pessoas, mas importante o bastante pra mim: a data de lançamento (21 de junho de 2022) foi escolhida por ser o solstício de inverno no hemisfério sul.

antes de falar diretamente sobre as músicas, uma breve explicação de algo que será mencionado constantemente daqui em diante: entre 2019 e 2022 eu gravei várias horas de improvisos de guitarra (e em alguns casos outros instrumentos) sem grandes planos. a intenção era usar esses improvisos mais como uma forma de praticar do que qualquer outra coisa mais concreta, mas eventualmente comecei a considerar a hipótese de utilizá-los em músicas "legítimas" através de samples.

não entrarei em detalhes mais significativos em todas as faixas porque nem todas possuem tanto a ser explicado, e tentarei não explicar de maneira definitiva todas as letras/músicas. dito isso:

crescent é, tecnicamente, a composição mais antiga do álbum. escrevi a melodia principal em 2011, mas na época era uma música mais rápida e com uma harmonia mais elaborada. originalmente a música acabaria no minuto 02:12, mas como o sintetizador continuava sozinho por mais alguns minutos (gravei antes, sem saber qual seria a música que eu faria com ele), peguei um trecho de uma outra música instrumental que não entraria no álbum e colei no topo desse sintetizador depois que as duas músicas já haviam sido mixadas, criando assim a faixa que aparece no álbum.

soothsayers é cantada do ponto de vista de morgana para seus pais adotivos antes de partir rumo à sua jornada. os sons da chuva foram gravados antes da música.

floresta é outra música antiga (não tanto quanto crescent) e que foi levemente reescrita para remover referências à consumismo e substituir versos esquecidos depois de tanto tempo. aqui ela pode ser vista como uma interação entre morgana e flora (ou algum dos outros seres que vivem naquela floresta) ou mesmo entre morgana e outra pessoa, em outra floresta, em outro momento. fica a seu critério.

breathing tem esse título única e exclusivamente pra confundir as pessoas, uma vez que a letra diz "breathe in". você pode considerar como sendo uma música ou sobre um ritual ou sobre uma experiência mística. o solo de guitarra (em reverse) ouvido nessa música foi sampleado de um improviso aleatório gravado uns 2 anos antes desse álbum.

a introdução de sands of time combina um outtake de projetos anteriores (guitarra + feedback) com um trecho de um improviso de "piano" também gravado antes do álbum. apenas um fragmento desse experimento foi usado na faixa. a segunda parte é a música principal, gravada independente dessa introdução, e as duas partes foram costuradas sem que eu tenha guardado notas do processo e/ou o projeto onde fiz essa junção.

to the lover i've yet to meet é, ao mesmo tempo, uma das músicas mais simples do projeto e uma das mais difíceis de recriar do jeito que aparece no álbum. o final da música combina entre 3 e 4 instrumentais diferentes (se não me falha a memória: tem um sample de alguma outra música do álbum, um ou mais improvisos de guitarra e um loop de feedback de guitarra) pra criar uma atmosfera meditativa. esse final foi criado independente do resto da música, e uma vez mixado, não guardei o projeto/as faixas isoladas que usei pra criá-lo. quanto à introdução, é um fragmento (em reverse) de uma peça "orquestral" que não consegui concluir de maneira satisfatória.

a letra de beira mar é no estilo de um cordel, especificamente um galope à beira-mar. a guitarra (também em reverse) ouvida durante todos os 55 segundos é outro sample de um desses improvisos. tal qual em soothsayers, o som da chuva foi gravado antes, e acabou sendo gravado de maneira mais lo-fi.

a viagem é um caso curioso - são duas músicas diferentes, e ambas foram escritas durante minhas tentativas de conseguir tocar algumas músicas de dorival caymmi. eu tinha gravado o instrumental que fecha a música como uma maneira de não esquecer aquela melodia e aqueles acordes, mas não tinha certeza do que faria com essa gravação, uma vez que não me aparecia idéia nenhuma. foi quando eu estava (literalmente) no meio da gravação do violão da primeira parte que me ocorreu a idéia de colar esse trecho no fim da música, com a intenção de que representasse a calmaria depois da intensa e perigosa viagem. problema: as duas partes estavam em tons diferentes (a melodia vocal em ré menor, a melodia instrumental em ré maior). solução: inserir um acorde de dó maior no fim da música, para que a mudança de tom ficasse menos estranha. é perfeitamente possível que minha explicação da harmonia esteja errada (sei teoria suficiente pra saber que não sei tanto quanto deveria) mas creio eu que é isso.

the killing of a fraud é a tal música que não me agrada mais, pois além de soar agora como algo de menor qualidade, é uma música redundante (a letra não é diferente o bastante da história equivalente no livreto). com exceção de meu vocal e de um sintetizador, é toda feita de samples (improvisos de guitarra e loops).

não acho que há muito o que falar sobre nature além do fato de que os sons de pássaros na introdução foram gravados numa praça.

esmeralda foi possivelmente a última música a ser escrita pro álbum (em decorrência disso, a história equivalente à ela no livreto também foi a última). tinha acabado de chegar em casa depois de um show de oswaldo montenegro e na mesma hora que sentei pra descansar um pouco, a terceira estrofe inteira veio em minha mente e eu corri pra anotar. quanto ao fato de essa estrofe consistir de dois versos em português que rimam entre si, dois versos em inglês que rimam entre si e (tecnicamente) os versos em português também rimarem com os versos em inglês, tenho que admitir: foi sorte. terminou quase sendo azar, porque não sabia se conseguiria fazer as outras estrofes no mesmo modelo, mas acho que deu certo.

finalmente, song of ancient lands consiste de duas músicas instrumentais completamente diferentes, combinadas em um mashup. samples de grande parte das músicas do álbum (possivelmente todas) também estão presentes, assim como alguns samples de albuns anteriores. essa é a única faixa onde eu gravei partes novas de guitarra (em uma das duas músicas) e uma parte de baixo (na outra). um mini abacaxi musical: as duas músicas foram gravadas em tons completamente diferentes (a primeira em ré menor, a segunda em lá menor). a solução foi mais simples: reduzir a velocidade da primeira até que estivesse no mesmo tom da segunda. como as duas faixas consistem de música ambient instrumental, não houve o problema de encaixar os ritmos. como adendo, a mudança de tom/velocidade da primeira música fez com que ela também soasse mais melancólica, o que pra mim foi um bônus.

volto a ouvir "the witch" com mais frequência que qualquer outro álbum que eu tenha feito até hoje. mesmo com seus defeitos, gosto muito desse álbum.

ouça-o/baixe-o aqui:

https://lynnsmadmoney.gumroad.com/l/thewitch
https://archive.org/details/thewitch-fullalbum-2022

Monday, July 3, 2023

review: fósforos fiat lux extra longos

não sei vocês, mas pra mim poucas coisas são mais frustrantes* do que passar quase um minuto riscando um palito de fósforo até ele acender. você quer a todo custo acender o fogão pra fazer café, ou cozinhar o almoço, ou derreter ouro, e o miserável do fósforo simplesmente não coopera de jeito nenhum. se essa também é uma experiência desagradável pra vocês, passem longe desses fósforos.

a primeira impressão pode até ser positiva. "minha nossa senhora, palitos de fósforo gigantes! assim eu posso acender o fogão à uma distância segura sem me arriscar", você provavelmente pensaria. bem, a boa notícia é que sim, são palitos de fósforo gigantes. a má notícia é que só são práticos se você se dispor a: 

  • passar uma eternidade riscando a lateral da caixa de fósforo;
  • correr o risco de que o palito se parta ao meio/em um quarto (ambos aconteceram comigo);
  • correr o risco de que um fragmento da cabeça do fósforo se solte e VOE em direções aleatórias (também aconteceu comigo, mas por sorte não caiu em nada inflamável);
  • ter a velocidade necessária pra levar a chama minúscula pra boca do fogão/pro forno/pra vela/o que quer que seja.

e antes que alguém se questione "será que o problema não é a peça que tá acendendo o fósforo?" em primeiro lugar, vá mamar um jegue. em segundo lugar, não posso me queixar dos mesmos problemas ocorrendo em fósforos de outras marcas, então NÃO, o problema realmente é com o produto.

uma pena. fósforos desse tipo poderiam ser extremamente úteis e práticos, mas estes falham na execução e deixam muito a desejar.


nota: 0.5 de 5
prós: são fósforos
contras: quebram muito fácil, são difíceis de acender, não se mantém acesos por tempo suficiente, não são práticos

 

 

 

 

*às pseudo-mafaldas do século 21: notem que eu disse "mais frustrantes", e não "piores", então não venham com "tanta gente morrendo e tanta gente passando fome e você reclamando de fósforo" a não ser que queiram uma tijolada na testa